Carta do senhor Marius sobre Júpiter

Bordeaux, 24 de junho de 1858.

Senhor e caro confrade em Espiritismo, Permitireis, sem dúvida, a um de vossos assinantes e um de vossos leitores mais atentos, de vos dar esse título, porque essa admirável Doutrina deve ser um laço fraternal entre todos aqueles que a compreendem e a praticam.

Em um dos vossos números precedentes, falastes de desenhos notáveis, feitos pelo senhor Victorien Sardou, e que representam habitações do planeta Júpiter. O quadro que dele fizestes, sem dúvida nos dá, como a muitos outros, o desejo de conhecê-los; teríeis a bondade de nos dizer se esse Senhor tem a intenção de publicá-los? Não duvido de que tenham um grande sucesso, tendo em vista a extensão que tomam, cada dia, as crenças espíritas. Seria o complemento necessário do quadro, tão sedutor, que os Espíritos deram desse mundo feliz.

Eu vos direi, a esse respeito, meu caro Senhor, que há quase dezoito meses evocamos, em nosso pequeno círculo íntimo, um antigo magistrado, parente nosso, falecido em 1756, que foi durante sua vida um modelo de todas as virtudes, e um Espírito muito superior, embora não tendo lugar na história. Disse-nos estar encarnado em Júpiter, e nos deu um ensinamento moral de uma sabedoria admirável, e em todos os pontos de conformidade com aquele que encerra vosso tão precioso O Livro dos Espíritos. Naturalmente, tivemos a curiosidade de lhe pedir algumas notícias sobre o estado do mundo que ele habita, o que fez com extrema complacência. Ora, julgai a nossa surpresa e a nossa alegria, quando lemos, na vossa Revista, uma descrição inteiramente idêntica desse planeta, pelo menos nas generalidades, porque não colocamos as questões tão longe quanto vós: tudo nela está conforme, no físico e no moral, e até nas condições dos animais. Mencionou até habitações aéreas, das quais não falais.

Como havia certas coisas que tínhamos dificuldade em compreender, nosso parente acrescentou estas palavras notáveis: “Não há de espantoso senão que não compreendeis as coisas para as quais os vossos sentidos não foram feitos; mas, à medida que avançardes na ciência, compreendê-las-eis melhor pelo pensamento, e cessarão de vos parecer extraordinárias. Não está longe o tempo no qual recebereis, sobre esse ponto, os esclarecimentos mais completos. Os Espíritos estão encarregados de vos instruir nisso, a fim de vos dar um objetivo, e vos impelir ao bem.” Lendo vossa descrição e o anúncio dos desenhos dos quais falais, dissemos naturalmente que esse tempo está chegado.

Os incrédulos criticarão, sem dúvida, semelhante paraíso de Espíritos, como criticam tudo, mesmo a imortalidade, mesmo as coisas mais santas. Sei bem que nada prova, materialmente, a verdade dessa descrição; mas, para todos aqueles que crêem na existência e nas revelações dos Espíritos, essa coincidência não foi feita para fazer refletir?

Nós fazemos uma idéia do país que jamais vimos pela narração dos viajantes, quando há coincidências entre eles: por que não ocorreria o mesmo com respeito aos Espíritos?

Haveria, no estado sob o qual nos descrevem o mundo de Júpiter, alguma coisa que repugne à razão? Não; tudo está de acordo com a idéia que nos dão de existências mais perfeitas; diria mais: com a Escritura, o que um dia me empenharei em demonstrar; de minha parte isso me parece tão lógico, tão consolador, que me seria penoso renunciar à esperança de habitar esse mundo afortunado onde não há maus, nem invejosos, nem inimigos, nem egoístas, nem hipócritas; por isso, todos os meus esforços tendem a merecer ir para lá.

Quando, em nosso pequeno círculo, algum de nós parece ter pensamentos muito materiais, lhes dizemos: cuidado, não ireis para Júpiter, e ficamos felizes em pensar que esse futuro nos está reservado, senão na primeira etapa, pelo menos em uma das seguintes. Obrigado, pois, a vós, meu caro irmão, por nos ter aberto esse novo caminho de esperança.

Uma vez que obtivemos revelações tão preciosas sobre esse mundo, devereis tê-las, igualmente, sobre os outros que compõem o nosso sistema planetário. Vossa intenção é de publicá-las? Isso faria um conjunto dos mais interessantes. Olhando os astros, comprazer-seia em sonhar nos seres tão variados que os povoam; o espaço nos pareceria menos vazio. Como pôde vir, no pensamento de homens crentes no poder e na sabedoria de Deus, que esses milhões de globos sejam corpos inertes e sem vida? Que estamos sozinhos neste pequeno grão de areia que chamamos a Terra? Digo que é impiedade. Semelhante idéia me entristece; se assim fora, me pareceria estar num deserto.

Inteiramente vosso de coração,

mariusm…

Empregado aposentado.

O título que o nosso honrado assinante quis nos dar é muito lisonjeador, para que não lhe sejamos muito reconhecido por haver nos crer digno dele. O Espiritismo, com efeito, é um laço fraternal que deve conduzir à prática da caridade cristã todos aqueles que o compreendam em sua essência, porque tende a fazer desaparecer os sentimentos de ódio, de inveja, de ciúme que dividem os homens; mas essa fraternidade não é a de uma seita; para ser segundo os divinos preceitos do Cristo, ela deve abraçar a Humanidade toda, porque todos os homens são os filhos de Deus; se alguns estão afastados, ele manda lamentá-los; proíbe odiá-los. Amai-vos uns aos outros, disse Jesus; não disse: Amai aqueles que pensam como vós; por isso, quando os nossos adversários nos atiram pedras, não devemos nunca lhes devolver as maldições: esses princípios serão sempre daqueles que os professam, de homens que não procurarão nunca na desordem e no mal do seu próximo, a satisfação de seus interesses ou de suas paixões.

Os sentimentos de nosso honroso correspondente estão marcados de muita elevação, porque estamos persuadidos de que ele entende, tanto como deve ser, a fraternidade na mais larga acepção.

Estamos felizes com a comunicação que consentiu nos fazer com respeito a Júpiter. A coincidência que nos assinala não é única, como se pôde ver no artigo sobre o assunto. Ora, qualquer que seja a opinião que se possa dele formar, não deixa de ser um assunto digno de observação. O mundo espírita está cheio de mistérios que não se saberia estudar com muito cuidado. As conseqüências morais que dele deduz nosso correspondente estão marcadas ao lado de uma lógica que não escapará a ninguém.

No que concerne às publicações dos desenhos, o mesmo desejo nos foi manifestado por vários de nossos assinantes; mas a complicação é tal que a reprodução, pela gravura, teria provocado despesas excessivas e inabordáveis; os próprios Espíritos disseram que o momento de publicá-los ainda não havia chegado, provavelmente por esse motivo. Hoje, essa dificuldade está felizmente afastada. O senhor Victorien Sardou, de médium desenhista (sem saber desenhar) tomou-se médium gravador sem ter jamais tido um buril em sua vida. Faz, agora, seus desenhos diretamente sobre o cobre, o que permitirá reproduzi-los sem o concurso de nenhum artista estranho. Com a questão financeira assim simplificada, poderemos dele dar uma mostra notável, no nosso próximo número, acompanhada de uma descrição técnica, que ele deseja se encarregar de redigir, segundo os documentos que lhe forneceram os Espíritos. Esses desenhos são muito numerosos, e seu conjunto formará, mais tarde, um verdadeiro Atlas. Conhecemos um outro médium desenhista a quem os Espíritos fizeram traçar outros não menos curiosos sobre um outro mundo. Quanto ao esplendor de diferentes globos conhecidos, fokios dado sobre vários notícias gerais e sobre alguns somente notícias detalhadas; mas não estamos ainda fixados quanto à época em que será útil publicá-los.

Allan Kardec

Carta do senhor Marius sobre Júpiter

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